sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Claustrofobia

Não havia mais nenhum sentido naquilo. Não havia mais tempo, não havia mais esperanças, não havia mais nenhum momento suportável. Aquela sala abafada cheirando a mofo e algo mal cozido ( carne de frango?) não oferecia nenhum conforto. Os dias tão escuros quanto as noites, a temperatura cada vez mais fria (e mesmo assim a sala continuava abafada), os ratos que apareciam de vez em quando apenas para roer alguma coisa a mais...

Não sabia que horas eram.Fazia tempo que as horas eram uma icógnita: a diferença entre o dia e a noite podia ser sentida pelo pouco barulho que ouvia do aldo de fora. Recebia algum tipo de alimento em algum horário aleatório, sendo assim ficava mais confusa ainda com relação ao horario.Nesse momento como estava o céu? Estrelado? Cheio de nuvens? Como gostaria de apenas sentir o vento no rosto... Em vez disso podia deixar restos de comida no chão e esperar algum rato aparecer. Eles em algum momento vinham roer, e essa era a única hora que não se sentia sozinha durante estes dias (quantos já se passaram?).

Tinha uma única certeza em meio a essa situação: Iria morrer. Em algum momento iriam descobrir esse esconderijo, abririam a pequena porta com batidas violentas, e seria morta rapidamente, afinal ninguem se escondia assim tanto tempo e sobrevivia.

O mais curioso é que essa sensação de morte não a levava ao desespero: o que mais a assustava era essa sala: Não podia mover os pés muitas vezes, pois assim iria chamar muita atenção com o barulho. Dormia na mesma posição que ficava o dia inteiro, não se lembrava mais o que era ter um sono tranquilo. Tudo isso no final era negar a si própria: Não suportava mais nenhum momento naquele lugar.

E os ratos corriam pelos cantos...

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

"Dialogue de l'amour, la première partie: le mépris"

- Olá.
- Oi... como foi o seu dia...
- Tenho que te contar algo.
- Ahn?
- Tenho que te contar, e rápido.
- O que?
- Eu não amo mais você.
- (...)
- Isso mesmo, não te amo mais. Cansei de escutar sempre as mesmas historias,seguir a sua rotina, viver a tua vida.Cansei.
- (...)
- E esse seu silêncio. Parece me condenar, suplica algo que nunca entendi.Cansei disso tudo. Vou embora e nunca mais quero te ver. Essa sua vida acabou coma minha. Não aguento mais.
- Ainda não entendi.
- O que?
- Não entendi.
- O que você não entendeu?
- Esse sua frase "Não te amo mais".
- Não te amo mais. Simplesmente. Isso é tão dificil de entender?
- Na verdade, nunca entendi, essa sua maneira de amar.
- Por que diz isso?
- Não que não tenha me amado, mas... é estranho, irônico, difícil...
- Por que está chorando agora?
- Sinto dizer isso também, mas nunca te amei, nunca, em nenhum momento...
- (...)
- Não sei como nunca percebeu, mas pode ir embora, me deixe assim mesmo. Nunca precisei de você, nunca admirei esse seu rosto, essa sua maneira de andar, essa sua maneira de se vestir... nunca gostei de nada em você...
- Por que diz isso agora?
- Porque você não em ama mais.
- Então você...
- Sim, era uma maneira de te deixar feliz.
- Nunca fui feliz com você!
- Sinto muito.
- Isso mesmo, sente muito. O seu egoísmo me deixa enojada.
- (...)
- Vou-me embora, não me procure mais.

Muitas vezes é através do desprezo que demonstramos o mais profundo desejo...

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

"Anonimato"

Esqueceu a carteira no carro de um amigo, agora andava pelas ruas sem documentos. Por um certo tempo não gostou da situação, afinal, algum policial poderia abordá-lo, e isso não era nada agradável. Após certo tempo deixou-se levar pela situação, sentia-se livre, esquecia por alguns momentos quem era, e perdia a noção de tempo enquanto encarnava esse personagem anônimo.

Assumiu após um tempo que gostava muito da ausência de identidade forçada na qual estava inserido. Os dias se passavam e o anonimato interior o engolia cada vez mais, até que esqueceu o cachorro enquanto passeava, esqueceu a blusa em algum lugar, esqueceu a chave de sua casa, esqueceu quem era.

Sentia que estava fazendo uma loucura, mas esquecia disso um tempo depois. Seus familiares foram deixando de encontrar a falta de sentido em suas estranhas preocupações, e agora o viam poucas vezes pela semana, vagando pelas ruas com um olhar estranho.

A chuva cobria as vezes seu rosto, e a luz do sol secava as suas roupas em um varal feito de paredes e olhos curiosos. Era um dia quente quando rencontrou o amigo, no mesmo carro havia perdido sua carteira: encontrou ela novamente e voltou para casa, esquecendo os seus dias de esquecer.

"Coletividade ausente" ou "O mendigo"

Perdeu a familia em um acidente de trânsito, esqueceu há quanto tempo. Tinha apenas a si próprio, e vivia pelas ruas escondendo-se de algo que não sabia ao certo o que era. Vagava pelas cidades grandes e pequenas, não fazia distinção: As pessoas dessas cidades não o conheciam, afinal, era "apenas mais um mendigo", e sua situação não influenciava os cotidianos diversos com os quais cruzava.

Precisava apenas de alimento e paz: O resto já tinha."Por quanto tempo irei vagar por essas ruas?" ás vezes se perguntava.A chuva e o sol escaldante já haviam mudado sua aparência, e sua barba havia crescido tanto que aquela criança de outrora não existia mais. Curiosamente a inocência havia se transformado em um instinto de sobrevivencia cada vez mais primitivo, muitas vezes confundiu-se com um animal, um bicho a mais vagando por uma selva de ruas abandonada pelos grandes homens de terno preto.

Cada vez que preenchia um espaço em uma grande cidade se sentia uma pessoa nova (ou bicho-gente novo?), os carros passavam ao seu redor e olhava-os com espanto. Uma sinfonia de cores eram as casas,e os telhados eram cada vez mais diferentes. O tempo passava, e não sentia mais o sabor da comida, afinal, era uma só: um prato de cada vez (isso quando havia um prato), pensava.

Casas e carros foram tomando seus rumos, noites e noites de descanso e a mais profunda distancia o levava a um diálogo forçado com a própria vida das cidades. As roupas, os sapatos, as distâncias agora eram iguais. Não passou mais frio, afinal, o frio era igual em qualquer lugar.Construia seu proprio tempo: vivia seus passos um de cada vez, e alcançou afinal seu lugar em algum lugar, alguma vez.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Linhas kafkianas Parte 2 - "O poeta"

Era um poeta e não possuiua mais dinheiro nenhum: Apenas fome. Escrevia constantemente, mas não entendiam as suas poesias, muitas vezes o acusavam de louco, e assim se excluia cada vez mais das pessoas que antes eram suas amigas, ams que agora não compreendiam mais como esse amigo pode se tornar alguem tão excentrico.

Vivia em uma casa escura, sem flores e sem familia: apenas se dedicava a poesia,e escrever era a sua arte, a vida mundana era desnecessária.A fome as vezes o assolava, não possuia quase mais anda na geladeira (que estava quebrada,afinal), e essa era a matéria prima de suas linhas.

Havia mais de uma vez recusado o auxilio de pessoas que conhecia, nunca iria aceitar empréstimos, um dia iriam reconhecer seu trabalho,e seria autosuficiente.Por isso passava fome.Chegou a mendigar por um tempo, e isso gerava um asco nas pessoas: O evitavam. Mas essa mendicancia não o elvava a lugar algum, e voltava á fome e a poesia.

Já havia emagrecido o suficiente para gerar medo nas pessoas mais comuns. Não havia mais arte na fome,e seu sofrimento estava para esgotar - Morreu de fome antes de escrever o ultimo poema: deixou-o pela metade.

Linhas kafkianas - Parte 1: "Travessia"

O viajante A. preecisava atravessar uma avenida.Esperava ha tempos aquele dia... havia viajado muito, e quando há uma distância tão grande de casa, muitas vezes não há como voltar.O dia era nublado, e o tráfego constante poluía a imagem que A. sempre teve daquele momento da sua vida - Afinal, o futuro sempre é mais belo do que se imagina.

O dia estava acabando, e a noite se aproximava. O dia que foi inteiro nublado se transformava em noite nublada,e o tráfego continuava constante. A. esperava ali havia tempos,e em nenhum momento pode atravessar.Tentou duas vezes, mas os carros pasavam tão rapido, eram tantos, que não pode dar mais do que tres passos antes de voltar tropeçando para a margem da larga avenida.

"Por que isso logo no final?" indagava-se A.: Havia viajado tanto, gasto todas as suas pequenas economias para chegar nesse momento crucial, e descobrir que atravessá-la era algo praticamente impossivel.Não possuia dinheiro para ir pela passarela, e mesmo se tivesse não iria conseguir chegar até lá, teria que voltar.

"Tudo agora é uma grande questão de esperar", pensava... Mas em nenhum instante alguem parou para o ajudar.Em um certo momento viu um vulto á distancia tentar atravessar a avenida, porém não soube se havia chegado ao final. Aquilo o assustava cada vez mais, porém o que poderia fazer? Voltar seria uma opção já descartada. Não poderia voltar. Nunca pensou em voltar. Ninguem volta em uma situação dessa. E se imaginava do outro lado da avenida, como em sonhos tão bons que deviam ser verdade muitas vezes. Criou coragem,e em um salto correu para a outra margem morreu esmagado por um carro.

(Escrito em uma noite fria ao som de Schoenberg.)